sábado, 15 de outubro de 2011

"Pôr as barbas de molho" parece-me claramente ser uma expressão ambígua.

Afinal, estamos a falar das barbas de quem? Do próprio? Do nosso inimigo? De uma pessoa qualquer, desde que alguma barba esteja de molho?

Ou ainda, para complicar ainda mais a questão: Estará a expressão a referir-se às barbas do milho?

Curiosamente, foi à língua espanhola que recorri para resolver esta questão. É que eles têm um provérbio ainda mais desconcertante, Cuando la barba de tu vecino arde, pon la tuya en remojo. Mas afinal quão provável era, em tempos idos, que a barba de alguém entrasse em combustão espontânea?


E depois googlei.
Primeiro, li que a barba era, na Idade Média, símbolo de honra e poder, pelo que tê-la cortada constituiria uma grande humilhação.
Mas isso não me fazia imenso sentido, até porque havia vários sites que enfatizavam que, a partir do século 11, era comum os católicos fazerem a barba para se distinguirem dos protestantes, judeus ou muçulmanos.


E depois, li que o filólogo Aires da Mata Machado defende que expressão foi deturparda ao longo do tempo. Originalmente, seria de bargas, e não de barbas, que se falaria. As bargas seriam como que espigas de trigo, a que se recorria para a construção de casas.


As casas seriam, então, feitas de adobe e o telhado coberto com bargas, e construídas muito próximas umas das outras. Acontecia, por vezes, uma fagulha de chama do fogão de lenha ir parar ao telhado, que então queimava. Os moradores procuravam, então, molhar os próprios telhados, para evitar que o fogo de propagasse.


Faz mais sentido, mas suponho que nunca saberemos a verdade.
E, caso seja verdade, tem piada que a expressão tenha evoluído da mesma forma em português e em espanhol.
É como se a partir de agora toda a gente passasse a dizer "partida, lagarta, fugida".

Acho que, verdadeiramente, somos bons a arranjar boas razões para justificar aquilo que fazemos.

Um comentário:

  1. Tenho andado a ler coisas sobre construtivismo radical e é isso mesmo, somos bons a arranjar justificações para aquilo em que acreditamos, adaptando a nossa realidade dessa forma. Acho genial a ideia de que nós inventamos a nossa realidade, porque se o fizermos conscientemente ganhamos controlo sobre o processo. Ficamos mais responsáveis, para o bem e para o mal, mas também mais livres, mais criativos, mais... deuses =) E se compreendermos bem que o fazemos e como o fazemos também vamos ficar mais tolerantes, idealmente, porque percebemos que todos os "ismos" são verdadeiros e que nenhum o é em absoluto. Depois é uma questão de escolhermos bem os nossos critérios para a aceitação dos -ismos, de sabermos quais são os nossos valores e como é que cada -ismo se encaixa nesses valores. E com esse sistema podemos até acreditar piamente na veracidade de dois ou mais ismos incompatíveis entre si, vivendo de acordo com aquele que escolhermos para nós e aceitando que outros podem viver e viver bem de acordo com outro.

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